Um dos principais streamers da Twitch, plataforma de streaming de eleição para criadores de conteúdos ligados aos videojogos, anunciou no final da semana passada que assinou um acordo não-exclusivo com a Kick, plataforma emergente e rival, naquele que é um visto como sendo um duro golpe para o site detido pela Amazon.

A notícia foi avançada inicialmente pelo The New York Times (NYT), que dava conta que Félix Lengyel, vulgo xQc, de 27 anos, vai auferir 35 milhões de dólares por ano, com 30 milhões de dólares adicionais se atingir determinados objetivos. Ou seja, no total, em cima da mesa, está um acordo que pode chegar aos 100 milhões de dólares.

  • Há uma particularidade neste contrato. Ao contrário do que habitualmente acontece, este não obriga xQc a trabalhar exclusivamente para a Kick. Ou seja, o canadiano pode continuar a transmitir na Twitch (coisa que já disse que vai fazer, embora com menos frequência) se assim o entender e ir alternando entre outras plataformas.

Para se ter noção dos valores em causa, este contrato contempla um valor semelhante ao assinado (97.1 milhões de dólares, igualmente por dois anos) pelo basquetebolista LeBron James, dos Los Angeles Lakers, equipa da NBA, no ano passado, que ditou a continuação de "King" James em LA.

Ao NYT, o agente de xQc afirmou peremptoriamente que "este é um dos maiores acordos" não só do desporto ou do streaming, mas do "entretenimento, ponto final".

Não obstante, a realidade é que xQc até já se estreou na Kick — e logo de maneira a causar manchetes ou não arriscasse ser banido da plataforma por violar as regras de conduta do site. O motivo da infração? Durante uma "noite de cinema", viu "O Cavaleiro das Trevas", de Christopher Nolan, com os seus seguidores.

Quem é Félix xQc Lengyel?

Félix Lengyel é o nome de nascimento, mas online é conhecido apenas por xQc. E a origem da sigla que o catapultou para a fama não é difícil de decifrar: o nome deriva da última letra de FéliX e da abreviatura da sua terra Natal, Quebeque (QC).

Nos últimos anos, tornou-se numa estrela no mundo do livestreaming, com quase 12 milhões de seguidores e a capacidade de atrair dezenas de milhares de espetadores em direto. Segundo algumas métricas, é o streamer mais popular da Twitch.

"A Kick permite-me experimentar e fazer coisas que nunca fiz antes", revelou numa declaração a justificar a mudança. "Estou extremamente entusiasmado por aproveitar esta oportunidade e por maximizá-la em novas ideias, criativas e frescas, nos próximos anos", remata Lengyel.

O canadiano começou por ganhar proeminência no mundo dos eSports ao jogar profissionalmente "Overwatch". O estatuto de referência chegaria após o anúncio que seria "reforço" dos Dallas Fuel em 2017, ano em que se sagrou MVP do torneio Overwatch World Cup (OWWC). Alguns prémios e polémicas depois, em 2019, deixou de ser jogador profissional e passou a ser criador de conteúdos a tempo inteiro na Twitch (de onde foi suspenso várias vezes, embora seja o streamer mais visto nos últimos três anos).

Segundo o perfil da National World, xQc é conhecido pelo seu humor e estilo enérgico, e pelos comentários/reações à atualidade, em que a sinceridade com que aborda os temas que discute coloca-o na lista dos "controversos". E apesar de ser conhecido por jogar "Overwatch", Lengyel dispersou o seu conteúdo para incluir uma variedade de outros jogos como "Minecraft", "Among Us" e "Rust".

O que é a Kick? 

A Kick é recente e surgiu para competir com a Twitch, detida pela Amazon, que lidera o mercado do livestreaming no mundo gaming. Ou seja, nasce para tirar partido das crescentes frustrações dos criadores de conteúdos da Twitch e espera capitalizar com o vasto número de seguidores de xQc.

  • Um novo "Caso Ninja" ou um tiro certeiro? Em 2019, recorde-se, o streamer Tyler "Ninja" Blevins, mudou-se da Twitch para a Mixer, plataforma de livestreaming da Microsoft, a troco de muitos milhões de dólares (falava-se entre 30 e 40). A sua popularidade era muita, tendo sido inclusivamente o primeiro atleta eSports na capa da famosa ESPN Magazine — jogava era "Fortnite" e não "Overwatch". No entanto, a Mixer foi descontinuada em 2020 por não conseguir rivalizar com a Twitch, YouTube ou até o Facebook Gaming.

Fundada em 2022 por Bijan Tehrani e Ed Craven (co-fundadores da Stake.com, um casino online que opera com criptomoedas, sediada em Melbourne, na Austrália, mas que não pode aceitar apostas de clientes australianos), a Kick é uma plataforma de streaming do país dos cangurus que está a dar condições favoráveis aos streamers (há quem diga que demasiado boas para ser verdade) e que está no meio de uma nuvem de suspeição por alegadamente estar ligada a um casa de apostas.

Atualmente, a empresa recebe apenas 5% dos ganhos dos streamers com as subscrições que os fãs pagam aos criadores (em comparação, a Twitch recebe 50%). A diferença é evidente, mas como startup, a "Kick está preparada para operar com prejuízo", segundo Ed Craven, citado pelo New York Times, que parece acreditar que há condições para pagar 100 milhões de dólares ao streamer mais popular da plataforma que quer derrubar.

Porque, note-se: xQc não foi a primeira estrela da Twitch a assinar pela Kick. Adin Ross (controverso por ter uma ligação com o Andrew Tate), Tyler "Trainwrecks" Niknam (2,1 milhões de seguidores na Twitch) ou Amouranth (a maior streamer no feminino na Twitch em 2022) também trocaram de "camisola" - e isto só para citar alguns.

xQc

A razão do descontentamento

Aquilo que a Kick está a fazer, na essência, é lançar uma bomba atómica no meio. Isto porque nos últimos tempos o descontentamento tem aumentado na Twitch, pois não é difícil encontrar streamers a alegar que a plataforma deixou de se centrar na comunidade e passou o foco para a obtenção de lucros, negligenciando a situação dos criadores.

As personalidades mais conhecidas do livestreaming podem ganhar milhares de dólares e atrair milhares de espectadores que lhes são altamente fiéis (a Geração Z consome três vezes mais conteúdos em streaming do que televisão em direto). Mas a Twitch tem vindo a alterar as suas regras e a insatisfação atingiu o pico no outono passado quando a plataforma da Amazon anunciou que, para atingir o caminho da rentabilidade, ia introduzir novas diretrizes ao funcionamento dos anúncios (ads) que podiam ser exibidos.

  • O lado prático, explicado pela The Verge: Imaginemos que o Streamer A tem um acordo de patrocínio com a Taco Bell. Para publicitar a Taco Bell, o Streamer A inseriu uma imagem que ocupa uma parte do espaço de visualização do ecrã com o logo da Taco Bell. Só que acontece que o Streamer A também decidiu parar a transmissão da live para momentaneamente reproduzir um anúncio em vídeo da Taco Bell. E, mais tarde, durante a sessão de streaming, o Streamer A também reproduziu um anúncio de áudio (pense em rádio) exaltando as virtudes de um Crunchwrap Supreme. De acordo com as novas regras do Twitch, todos esses três esquemas de publicidade são proibidos.

Em suma, as regras iam mudar a forma como os streamers têm tradicionalmente publicado anúncios, afetando a sua capacidade de ganhar dinheiro. No entanto, quando a Twitch anunciou há mais ou menos duas semanas que as novas regras iam entrar em vigor a partir do dia 1 de julho, a comunidade reagiu e começou a experimentar alternativas como o YouTube e a Kick. Resultado? A Twitch deu um passo atrás ("estas diretrizes são más para vocês e para a Twitch, e vamos removê-las imediatamente") devido a toda a contestação gerada pelas novas guidelines.