A guerra, por enquanto, é de palavras. Esperemos que assim se mantenha

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Talvez não se recorde, mas a Guerra Civil no Leste da Ucrânia já dura há quase oito anos, o mesmo número desde que a revolta na praça Maidan em Kiev precipitou a queda do governo de Viktor Yanukovych por este rejeitar assinar um acordo de colaboração com a União Europeia.

À época, o início do conflito armado entre as forças ucranianas e os separatistas pró-russos de Donetsk e Luhansk abriu telejornais e dominou a atenção mediática — especialmente quando, como retaliação à desestabilização do país vizinho, a Rússia ocupou e anexou a Crimeia.

Desde então, contudo, tornou-se uma relíquia da consciência pública, surgindo em fogachos consoante um ou outro acontecimento — desde a queda do Malaysia Airlines Flight 17, abatido quando voava perto da zona disputada, até ao facto do clube de futebol Shakhtar Donetsk ter sido forçado a mudar-se para Kiev devido à guerra.

No entanto, tal como a guerra na Síria, não é por lhe voltarmos costas e o esquecermos que este conflito terá desaparecido. Pelo contrário, estima-se que desde 2014 o conflito já tenha causado mais de 13 mil mortes — 3.300 das quais de civis — e 1,5 milhões de refugiados. E pode piorar.

Como todos os problemas, ao ignorá-lo incorre-se seriamente no risco de que se agrave. Mas o reverso da medalha é que, ao contrário da maioria dos problemas, interferir na resolução do mesmo pode também provocar ainda mais danos — algo comum quando falamos de crises geopolíticas.

Tudo isto para dizer que, volvidos oito anos, a situação entre a Rússia e a Ucrânia está pior do que nunca, com repetidos encontros diplomáticos entre várias partes — além dos dois países visados, destaca-se o papel dos EUA, do Reino Unido e da União Europeia — para evitar que uma acendalha pegue fogo ao barril de pólvora.

Tal como nos tempos da Guerra Fria, também aqui se disputa um conflito em zona tampão para não desembocar numa guerra aberta. E, também aqui, as diferentes partes alegam razões diferentes para a escalada. Resumindo:

  • A Rússia sente-se acossada pela vontade do país vizinho em juntar-se à NATO, considerando-o um sinal de agressividade, não só pelo princípio reativo da organização (um ataque a um dos seus membros é um ataque a todos), como pelo facto específico de se tratar da Ucrânia a querer juntar-se, país de ligação ancestral e com fronteiras diretas. No entender russo, ao juntar-se à aliança militar, a Ucrânia predispõe-se a entrar em guerra e, com isso, arrastar os outros membros.
  • A Ucrânia defende que a Rússia de Vladimir Putin tem mostrado cada vez mais o seu intuito de anexar o país, sendo a atual guerra onde apoia os separatistas e a invasão da Crimeia ensaios disso mesmo. Por trás da lógica de preservação da sua soberania face à ameaça da NATO, os russos quererão, na verdade, reunificar os dois países, juntos durante vários momentos de uma história partilhada.

A situação nunca deixou de ser tensa entre os dois países, mas agravou-se desde que o populista Volodymyr Zelensky se tornou presidente ucraniano, em 2019 — Zelensky nunca escondeu a sua clara oposição à Rússia —, e de forma ainda mais aguda nos últimos meses.

Chegámos agora a um ponto em que se estima que haja mais de 100 mil tropas russas junto à fronteira com a Ucrânia, em contínuos exercícios militares tidos em conjunto com a Bielorrússia, e em que é a própria Casa Branca a temer uma invasão a qualquer momento, tendo colocado os seus 8.500 solados em solo ucraniano em alerta máximo e ordenado a retirada dos seus diplomatas de Kiev esta segunda-feira.

Moscovo, todavia, nega qualquer intuito de invasão, lamentando por seu lado o que considera ser um exacerbar das tensões com a mobilização de forças da NATO — que enviou navios e aviões de combate para a região. Ao invés, a Rússia exige garantias para a sua segurança, incluindo a rejeição da adesão da Ucrânia à NATO, o fim do alargamento da Aliança e dos destacamentos militares para a Europa de Leste. Estas reivindicações, porém, são tidas como inaceitáveis para o Ocidente.

Com ambas as partes inamovíveis dos seus propósitos, multiplicam-se não só os contactos diplomáticos como o envio de ajuda para a Ucrânia: os EUA já enviaram 90 toneladas de armamento para o país e a UE aprovou um pacote de 1,2 mil milhões de euros para uma alegada defesa da soberania ucraniana. As negociações vão continuar a decorrer até ao fim da semana, mas o desfecho permanece imprevisível. O nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse ontem que a União Europeia está pronta para uma resposta pesada à possível agressão russa, mas que o objetivo é evitar um conflito armado. Oxalá esteja correto.

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