«António Costa até é capaz de convencer o peru que o Natal é bom», ouvi outro dia sobre o primeiro-ministro. De facto, foi uma longa noite de Ano Novo, ouviram-se foguetes até às tantas da manhã, a contrastar com a passagem de ano anterior, onde em alguns locais não houve sequer fogo-de-artifício. No Natal, as lojas encheram-se de pessoas carregadas de compras e os números indicam que se voltou a viajar como nunca nos últimos tempos nestas miniférias de final de ano.

Especialistas chamam a este comportamento “confiança”. É tudo uma questão psicológica. Como se, por magia, os problemas económicos e financeiros de Portugal estivessem sanados. Mas não estão e existem até novos riscos. O que aí vem, o que sabíamos que vinha, não é animador, sobretudo para um país altamente endividado como Portugal.

Em 2017 serão precisos muitos passes de mágica para fingir que não se passa nada. Chamem-lhe ilusionismo, o que quiserem. Com sorte, vão estar todos tão ocupados com o seu próprio número que não vão ter tempo para descobrir o truque do vizinho: eleições em França, na Holanda e na Alemanha, consequências da derrota do referendo constitucional em Itália, Reino Unido a accionar o Artigo 50º para sair definitivamente da União Europeia e Donald Trump a entrar na Casa Branca. Por cá, eleições autárquicas. Desde que o circo não pegue fogo…

A economia mundial deverá crescer 2,8% este ano, mais do que em 2016 mas ainda assim abaixo dos 3%. A China crescerá menos do que o esperado, mas sempre serão 6,4%. É lá, e também na Índia e no seu enorme potencial, que deverão estar centradas parte das atenções. A China, que tem uma fatia de leão da dívida soberana dos Estados Unidos na mão e que talvez queira dar algumas cartas num jogo que Trump julga ter na mão.

Existe, no entanto, um grande optimismo quanto às medidas que serão implementadas pela administração Trump, como estímulos fiscais, diminuição de impostos e investimento em infra-estruturas, mas alguns efeitos só serão sentidos em 2018. O senão é também o aumento das taxas de juro (a Reserva Federal deverá aumentar as taxas de juro pelo menos três vezes este ano).

Na Europa, a zona euro deverá crescer 1,4% (os EUA 2,3%), mas os desafios políticos e económicos são muitos e podem abalar tudo. A pressão que a subida das taxas de juro americanas está a provocar nas taxas de juro europeias é muito negativa, sobretudo para Portugal. Os países da UE não aproveitaram as taxas de juro baixas para fazer as suas reformas estruturais e, a qualquer momento, sem aviso, o cenário pode mudar. Vai ser sempre tarde de mais - a menos que haja em passe de mágica.

Entre os países da UE que deverão crescer mais estão a Irlanda (3%), a França e a Holanda, que apontam para crescimentos de 1,5%. Tanto quanto Portugal, de acordo com os valores inscritos pelo governo no orçamento do Estado para este ano. Magia.

Portugal continua sem investimento privado, nacional ou estrangeiro. Os funcionários públicos recuperaram apenas uma pequeníssima parte dos cortes feitos a partir de 2011. De resto, o que existe são acordos para manter serena uma gente descontente que, na primeira oportunidade (lá por altura da campanha para as autárquicas), não hesitará em fazer valer o que acredita serem os seus direitos individuais em detrimento do interesse público.

O governo anuncia agora medidas simpáticas, como a subida do salário mínimo, o segundo escalão já não paga sobretaxa, os almoços nas cantinas e os transportes passam a ser dedutíveis, há aumento de pensões, sobem os abonos para crianças entre os um e os três anos de idade e desce o IMI para cerca de 1/3 das câmaras.

Mas, a partir de hoje, sobe o preço dos combustíveis, sobe o preço dos transportes públicos, do Imposto sobre Veículos, da electricidade regulada, das portagens, das rendas de casa, do tabaco e dos refrigerantes.

Portugal continua na corda bamba e só há uma maneira de chegar ao fim da linha em segurança, visto que caminhamos sem rede de protecção: é preciso manter-nos a salvo da desorçamentação, da distribuição de dinheiro sem critério, de uma política financeira imprudente em tempos de tão grandes incertezas. Se fizer isto, o governo já está a libertar-nos de diversos perigos e não é mau.

No sapatinho, o executivo assegurou um último presente: uma receita extraordinária de 551 milhões de euros, que garantiu com o perdão fiscal. Vamos ver quantos truques tem na manga para 2017 e, já agora, se convencem uma parte do público, as agências de notação financeira. A primeira é a Moody’s e faz a sua avaliação na próxima semana, por acaso uma sexta-feira 13. Há quem não goste de circo e tenha horror a palhaços, mas a magia é uma arte.