“Andávamos há muito tempo a pedir para nos ouvirem, sabíamos que havia há demasiadas décadas uma discriminação sistemática em relação ao futebol feminino. Tivemos de lutar muito para ser ouvidas e isso implica um desgaste que não queremos ter, porque aquilo que nos preocupa é ganhar”, disse Alexia Putellas, numa conferência de imprensa em Gotemburgo, na véspera do jogo da Liga das Nações entre as seleções de Espanha e Suécia.

“Mas aquilo que aconteceu na final [do Mundial deste ano, em Sydney] e na posterior assembleia [da Real Federação Espanhola de Futebol, RFEF] foi a gota que fez transbordar o copo e dissemos que não podia ser, que não podíamos continuar naquele caminho. Perante aquela situação, tínhamos de dizer tolerância zero, pela Jenni [Hermoso], por nós, e marcar um precedente”, acrescentou.

Na final do Mundial, em Sydney, em 20 de agosto, o então presidente da RFEF, Luis Rubiales, beijou a futebolista Jenni Hermoso, no estádio, num ato que a jogadora disse não ter sido consentido.

Dias depois, numa assembleia-geral da federação, Rubiales garantiu que o beijo tinha sido consentido e recusou demitir-se do cargo.

Rubiales acabou por se demitir semanas mais tarde, face à pressão da opinião pública e do governo espanhol e depois de a FIFA o ter suspendido e lhe ter aberto um processo, como fez também o Tribunal Administrativo do Desporto de Espanha.

A federação espanhola demitiu entretanto o treinador da equipa, Jorge Vilda, mas as jogadoras têm reclamado mais mudanças na federação e chegaram mesmo a dizer que não estavam disponíveis para regressar à seleção enquanto não houvesse outras alterações.

Apesar disso, a nova selecionadora, Montse Tomé, acabou por convocar várias das futebolistas que se tinham manifestado indisponíveis para os jogos da Liga das Nações frente à Suécia, na sexta-feira, e à Suíça, na próxima terça.

A maioria das jogadoras convocadas acabou por viajar para a Suécia, depois da intervenção do presidente do Conselho Superior do Desporto (CSD) de Espanha, uma organismo tutelado pelo governo, que serviu de mediador entre as futebolistas e a federação e que resultou num compromisso da RFEF de responder às reivindicações das campeãs do mundo.

“Não queríamos vir, tínhamos decidido que não podíamos vir, que não era o momento, fomos obrigadas, viemos chateadas, mas viemos e aceitámos umas reuniões. A reunião foi construtiva, chegaram-se a acordos e acreditamos que são importantes para avançar e a partir de aqui sabemos que há coisas que levam um tempo”, disse Alexia Putellas.

A futebolista explicou ainda que decidiram manter-se na seleção por causa da equipa sub-23, que seria chamada para as substituir, deixando jogadoras mais jovens numa situação difícil.

“A única coisa que queremos é jogar futebol em condições dignas e ser respeitadas. Até agora isso não foi possível e depois da final [do mundial], impossível”, disse por seu turno Irene Paredes, que deu a conferência de imprensa em conjunto com Alexia Putellas.

“É por isso que estamos a tentar mudar as coisas. Para chegarmos a esse momento em que as jogadoras só se dediquem a jogar e não estejam preocupadas em ver se o sistema funciona. Temos estado sem apoios. Agora o CDS entrou de forma muito contundente, o que se agradece, mas até agora tínhamo-nos sentido sozinhas”, acrescentou.

Irene Paredes sublinhou que há coisas que estão já a cumprir-se e a melhorar, “mas a luz ao final do túnel ainda não se vê, isto é muito demorado”.

“Somos conscientes de que temos um altifalante para poder fazê-lo e muita gente atrás, companheiras de outras seleções e desportos e mulheres que estão a viver casos similares e queremos que isto possa ser um ponto de inflexão, para se olharem, levantar a voz e erradicar estas situações”, acrescentou.

As duas jogadoras deram a conferência de imprensa depois de a nova selecionadora feminina de Espanha, Montsé Tomé, ter falado aos jornalistas sozinha na sala de imprensa.