O Vaticano recebe a partir de hoje e até domingo todos os presidentes das conferências Episcopais do mundo para uma reunião inédita sobre abusos a crianças por membros do clero, um tema que abalou a Igreja em 2018.

Ouvir as vítimas, aumentar a consciência, aumentar o conhecimento, desenvolver novos procedimentos, e partilhar boas práticas são alguns dos objetivos do encontro.

O que fez Francisco? Uma cronologia

2013

05 de abril:
- Na sua primeira audiência, Francisco desafia a Congregação para a Doutrina da Fé para, "seguindo a linha estabelecida por Bento XVI, agir de forma decisiva em casos de abuso sexual".

2014

22 de março:
- Cria a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores.

07 de julho:
- Celebra uma missa com seis vítimas de abuso por parte do clero e pede "perdão por pecados de omissão" cometidos por líderes da Igreja por "crimes graves".

05 de novembro:
– Expulsa um sacerdote argentino, condenado a uma pena de prisão por pedofilia.

11 de novembro:
- Cria um tribunal especial dentro da Congregação para a Doutrina da Fé para avaliar recursos interpostos pelos clérigos em casos de abuso e para agilizar as sentenças.

2016

04 de junho:
- Publica o ‘Motu Proprio’ "Como uma mãe amorosa", em que afirma que os bispos podem ser expulsos se, por "negligência ou omissão", causarem "sérios danos a outra pessoa na comunidade".

2017

02 de janeiro:
- É divulgada uma carta de Francisco em que pede aos bispos do mundo inteiro que os crimes de abusos a crianças “não sejam mais repetidos" e determina uma "clara tolerância zero".

2018

02 de maio:
- Recebe três vítimas de abusos do padre chileno Fernando Karadima, que pedem ao papa Francisco que transforme o seu pedido de perdão em “ações exemplares”.

15 de maio:
- Convoca uma reunião com os bispos do Chile depois de pedir desculpas por ter sido mal informado no caso do bispo Juan Barros, acusado de encobrir o padre Fernando Karadima. Três dias depois, todos os bispos apresentam a sua renúncia ao papa.

01 de junho:
- Inicia mais uma série de encontros com vítimas de clérigos no Chile.

11 de junho:
- Aceita a renúncia de três bispos chilenos, incluindo Barros, na sequência do escândalo de acusações de falta de transparência da Igreja na gestão de casos de abuso sexual a menores.

28 de junho:
- Aceita a demissão de mais três bispos chilenos

28 de julho:
- Aceita a renúncia do antigo arcebispo de Washington Theodore McCarrick, a quem ordena que conduza "uma vida de oração e penitência" até que as acusações de abuso sexual de que é alvo sejam examinadas num julgamento da Igreja Católica.

20 de agosto:
- Publica uma carta dirigida a todos os católicos do mundo, condenando o crime de abuso sexual por parte de padres e o seu encobrimento e exigindo responsabilidades.

29 de agosto:
- Lamenta a forma como a Igreja irlandesa respondeu aos crimes de abusos sexuais, naquela que foi a sua primeira intervenção pública no Vaticano depois das acusações de que ele próprio teria escondido os crimes.

12 de setembro:
- Convoca os presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo para uma reunião sem precedentes, a decorrer em fevereiro de 2019, para analisar os casos de abusos de menores.

28 de setembro:
- Reduz à condição de leigo o padre Fernando Karadima.

13 de outubro:
- Expulsa mais dois bispos chilenos do estado clerical por abuso infantil explícito.

O encontro sobre a “Proteção dos menores na Igreja”, que se realizará, no Vaticano focará três temas principais: responsabilidade, assunção de responsabilidades e transparência.

O papa anunciou a sua presença em todas as sessões e momentos de oração da cimeira que reunirá 114 conferências episcopais: 36 da África, 24 da América do Norte, América Central e América do Sul, 18 da Ásia, 32 da Europa, incluindo Portugal, e quatro da Oceânia.

“Os crimes, os pecados dos abusos sexuais a menores [cometidos por membros da Igreja] não podem ser mantidos em segredo durante mais tempo.” Papa Francisco | 27-09-2015

Segundo a comissão organizadora da cimeira, os participantes “trabalharão juntos para responder a este sério desafio" estando prevista também a participação de algumas vítimas.

Na preparação deste encontro a comissão organizadora da cimeira pediu aos presidentes das conferências episcopais para ouvir as vítimas nos seus países.

O papa Francisco escolheu para o comité organizador o arcebispo de Chicago (EUA), Blase J. Cupich, o arcebispo de Mumbai, Oswald Gracias, e duas figuras que têm protagonizado a batalha contra os abusos: o vice-secretário recém-nomeado da Congregação para a Doutrina da Fé, Charles Scicluna, e o presidente do Centro para a Proteção das Crianças da Pontifícia Universidade Gregoriana e membro da Comissão para a Tutela dos Menores, Hans Zollner.

“Nós não podemos encobrir [atos de padres pedófilos e] daqueles que são culpados, incluindo alguns bispos.” Papa Francisco | 28-09-2015

A Conferência Episcopal Portuguesa, que estará representada pelo cardeal patriarca, Manuel Clemente, disse a 12 de fevereiro que os casos de abusos sexuais por parte de clérigos são reduzidos em Portugal. Confrontado com denúncias relatadas pela comunicação social, o secretário da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) salientou que "os casos tratados nos tribunais eclesiásticos onde chegam as denúncias são pouquíssimos e, desses, mais de metade da investigação prévia parou por falta de fundamento". Segundo afirmou na conferência de imprensa, desde 2001 que foram denunciados em Portugal "cerca de uma dezena de casos", dos quais já existem algumas decisões judiciais.

“Assumamos clara e lealmente tolerância zero em relação a este assunto [casos de abuso sexual de menores por membros do clero].” Papa Francisco | 02-01-2017

O abuso sexual contra crianças durante anos e anos chegou a ser classificado pelo secretário do papa emérito, Bento XVI, como “o 11 de Setembro da Igreja Católica”, um momento apocalíptico com incontáveis vítimas.

Na Igreja dos Estados Unidos um relatório de um grande júri da Pensilvânia revelou que pelo menos mil crianças foram vítimas de 300 padres nos últimos 70 anos, e que gerações de bispos falharam repetidamente na adoção de medidas para proteger a comunidade e punir os violadores. No sábado, o Vaticano expulsou do sacerdócio o ex-cardeal e arcebispo emérito de Washington, Theodore McCarrick, acusado de abusos sexuais a menores e a seminaristas.

“Aqui [no Chile] não posso deixar de manifestar a dor e a vergonha que sinto perante o dano irreparável causado às crianças por elementos da Igreja.” Papa Francisco | 16-01-2018

Os casos estendem-se ainda a países como a Alemanha, Irlanda, Holanda, Austrália, França e Espanha.

Na Alemanha, um relatório interno encomendado pela Conferência Episcopal aponta para 3.677 casos de abusos sexuais cometidos por 1.670 elementos da Igreja entre 1946 e 2014 e na Holanda pelo menos 20 bispos e cardeais foram associados a abusos sexuais.

Na Austrália, o cardeal George Pell, que dirigia a Secretaria da Economia do Vaticano, foi considerado culpado por um tribunal em Melbourne de abuso sexual a duas crianças.

“Não posso permanecer em silêncio diante de uma das pragas do nosso tempo, e que, infelizmente, também tem implicado vários membros do clero. O abuso de menores é um dos piores e mais vis possíveis crimes.” Papa Francisco | 07-01-2019

Em agosto, a poucos dias de uma visita à Irlanda, onde mais de 14.500 pessoas declararam-se vítimas de abuso sexual por parte de padres, o papa escreveu aos católicos do mundo, condenando este crime e exigindo responsabilidades. Na carta, Francisco pediu perdão pela dor sofrida e disse que os leigos católicos devem envolver-se na luta para erradicar o abuso e o seu encobrimento.

A 12 de setembro, Francisco decidiu marcar uma cimeira mundial sobre os abusos sexuais na Igreja.