Em declarações à agência Lusa, o deputado do PCP António Filipe disse esperar que, após o debate de hoje, “todos os grupos parlamentares assumam as suas responsabilidades e que ninguém seja responsável pela inviabilização deste inquérito parlamentar”.

“Nós estamos a falar de algo que lesou, de uma forma escandalosamente grave, o Estado português, o interesse nacional, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista das condições de controlo do Estado português pelo seu espaço aeroportuário”, salientou.

O deputado do PCP frisou que o relatório do Tribunal de Contas que analisou a privatização da ANA, divulgado em janeiro, é “arrasador relativamente às consequências” desse negócio e revela que a estimativa inicial do preço da ANA era de “mais de três mil milhões de euros”, mas a venda “foi feita por pouco mais de um terço disso: 1.127 milhões”.

“Estamos a falar de uma lesão tremenda dos interesses financeiros do Estado, para além de que a gestão dos aeroportos nacionais, por parte da Vinci - sendo que essa concessão é para 50 anos -, está a revelar-se desastrosa para o interesse público, na medida em que o aeroporto de Lisboa tem vindo a aumentar escandalosamente as taxas aeroportuárias”, acrescenta.

Por outro lado, António Filipe considerou também que importa clarificar “porque é que os dividendos de 2012, obtidos pela ANA, ainda enquanto empresa pública, foram oferecidos à Vinci”.

“Importa também apurar eventuais conflitos de interesses por parte de administrações. Basta recordar que houve uma administração que foi nomeada pelo Estado já depois de a privatização ter sido decidida e que foi anunciado pela Vinci a intenção de a reconduzir, o que obviamente põe em causa claramente a sua isenção e a sua defesa do interesse público”, sustentou.

O deputado recordou que o negócio, concluído em 2013, foi feito por um Governo PSD/CDS que tinha como primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira como ministros das Finanças e da Economia, e Sérgio Monteiro como secretário de Estado das Infraestruturas, e considerou que têm “uma pesada responsabilidade” pelos impactos que está a ter.

“E importa que a Assembleia da República assuma também a responsabilidade de proceder a um inquérito sobre essa apuramento de responsabilidades. À partida, quem recusar a realização deste inquérito, certamente alguma coisa lhe pesa na consciência relativamente a uma situação como esta”, afirmou.

Questionado como é que reage ao argumento do PS de que é preciso utilizar todos os instrumentos parlamentares para se obter informações sobre uma matéria antes de se recorrer à “bomba atómica” do inquérito parlamentar - argumento que o partido invocou na semana passada para votar contra as propostas do BE e do PAN para uma comissão de inquérito ao Global Media Group -, o deputado considerou que “não faz sentido nenhum”.

“Em todas as legislaturas tem havido vários inquéritos parlamentares. Portanto, se estivéssemos a falar de bomba atómica, já teríamos ido pelos ares dezenas de vezes”, respondeu, salientando que o inquérito proposto “se justifica plenamente”.

“Eu não desvalorizo a proposta de inquérito que foi feita na semana passada, mas objetivamente estamos a falar de realidades com uma dimensão incomparável: aqui estamos a falar de milhares de milhões de euros, da gestão de todos os aeroportos nacionais durante 50 anos”, afirmou.

O deputado defendeu que se está “perante um escândalo de tal monta que, quem rejeitar inquirir sobre esta matéria, terá de explicar muito bem essa posição e assumir essa responsabilidade”.

“Porque, como se costuma dizer, quem não deve não teme”, acrescentou.