“É urgente financiar as casas. Neste momento, a situação é de emergência completa. É de emergência para as necessidades básicas das crianças e para que as pessoas possam receber ordenados”, disse à agência Lusa a diretora da Associação Akto – Direitos Humanos e Democracia, Sofia Figueiredo.

A Akto gere uma casa de acolhimento de emergência para mulheres e meninas vítimas de violência de género e a única casa abrigo em Portugal para crianças e jovens sinalizados como vítimas de tráfico de seres humanos, referiu Sofia Figueiredo, adiantando que ambas estão com a capacidade esgotada (10 pessoas cada uma) e a viver graves problemas devido a atrasos nos reembolsos dos projetos financiados por fundos comunitários.

“O primeiro erro absoluto é termos respostas permanentes com financiamentos temporais”, criticou Sofia Figueiredo, defendendo que o financiamento tem de sair do Orçamento do Estado e ser mensal.

Estas críticas e preocupações são partilhadas por Sara Rocha, diretora executiva da Associação para o Planeamento da Família (APF), que gere cinco Equipas Multidisciplinares Especializadas e o centro de acolhimento e proteção a mulheres vítimas de tráfico de seres humanos e seus filhos menores.

As duas responsáveis explicaram que os problemas estão a avolumar-se devido a problemas na plataforma Balcão dos Fundos — Portugal 2030, através da qual as instituições apresentam as candidaturas dos seus projetos.

“O problema é que temos de apresentar despesas, pedir reembolsos, mas a plataforma está bloqueada, não funciona ainda, portanto, nem sequer posso apresentar as minhas despesas de outubro, mas não posso dizer às crianças: olha, agora não vão comer, não vão tomar banho de água quente porque a plataforma não funciona”, lamentou Sofia Figueiredo, desabafando que a sua vida tem sido “tentar todos os dias colmatar necessidades básicas de crianças que são da responsabilidade do Estado português”.

Para Sofia Fiqueiredo, já é uma questão de “violência e desrespeito” para com as instituições que estão no terreno: “Eu não durmo, tenho as pessoas que me pedem satisfações por não receberem ordenado e eu não sei mais o que fazer”, lamentou.

“Sou diretora de uma organização em que tenho funcionários que não recebem, estão para ser despejados, funcionários que não compram medicação ou que não pagam o seguro do carro e não podem andar de carro porque não tenho como pagar. Não se admite que durante sete meses estejam duas casas a funcionar sem termos um cêntimo de apoio”, criticou Sofia Antunes, que tem vindo a alertar para esta situação.

Há cerca de três semanas Akto recebeu 10% do financiamento dos projetos, mas a responsável notou que não chega para pagar as dívidas, “quanto mais o futuro dos ordenados, das rendas, das despesas correntes de luz e água, a alimentação para as crianças”.

Sara Rocha disse, por seu turno, que a APF só recebeu o primeiro adiantamento do projeto seis meses depois de ele começar.

“Neste momento, nem temos indicações sobre as regras para podermos pedir os reembolsos destes projetos, o que para uma IPSS [Instituição Particular de Solidariedade Social] é absolutamente incomportável. Não somos só nós que estamos nesta situação, há várias IPSS”, salientou.

Para Sara Rocha, tem de haver “uma decisão política” que permita que se façam novas regras para que não sejam as associações e, sobretudo, as pessoas apoiadas a ficarem prejudicadas por causa de “uma plataforma informática que não funciona como devia”.

A diretora da APP alertou para a situação frágil das três Equipas Multidisciplinares Especializadas, que estão nesta situação e que apoiaram, no ano passado, 494 presumíveis vítimas de tráfico humanos e atenderam 2.161 chamadas nas suas linhas de emergência.

“Se estas equipas não têm financiamento, o seu funcionamento fica em risco”, alertou.

Para conseguir manter os projetos, a APF tem usado os seus recursos, o que se traduz num acumular de dívidas, nomeadamente ao Estado, que depois impedem o acesso aos fundos, criando-se “um círculo vicioso”.

“As associações ficam a ter que escolher se querem pagar aos seus funcionários ou ao Estado e à Segurança Social. E convenhamos que deixar de pagar a qualquer uma delas é mau”, declarou.

A APF, a Akto e outras organizações vão solicitar esta semana uma reunião com a tutela porque, disse Sara Rocha, “tem que haver uma resposta política a este impasse porque não podem ser as organizações e as pessoas apoiam a sofrer o facto de haver burocracias que não funcionam”.