Manuel Soares falava à agência Lusa na sequência de um recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa apresentado pela Associação da Terra da Morte Lenta, no qual esta questiona a imparcialidade da juíza Sónia Moura, do Tribunal de Almada, que julgou uma ação popular cível contra a Siderurgia Nacional, no Seixal, por ter coordenado um livro onde constava um artigo do advogado de defesa da empresa.

“A juíza não teve nenhuma interferência nem na escolha, nem nos textos, deu-se apenas a casualidade de ser a diretora da revista Julgar e de ser juíza num processo onde esse advogado intervém. Deu-se apenas a casualidade de sendo a diretora da revista e estando nesse cargo passou a ter a responsabilidade de coordenar a edição desse livro a meu convite”, disse o presidente da ASJP.

A ação popular cível contra a SN Seixal – Siderurgia Nacional, no distrito de Setúbal, foi apresentada em fevereiro de 2019 pela Associação da Terra da Morte Lenta e teve por base a alegada poluição causada pela indústria.

Em outubro deste ano, o Tribunal de Almada determinou, contudo, que a atividade cumpre a legislação ambiental e que não ficou provado que prejudica a saúde das populações.

Agora, a Associação da Terra da Morte Lenta recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, solicitando a nulidade da sentença, alegando que “não só pelos factos assentes na decisão, como na prova produzida na audiência, bem como pelas declarações” da juíza do tribunal em várias sessões, “a decisão teria, forçosamente, de ser em sentido contrário”.

No recurso a esta sentença, a que a Lusa teve acesso, a Associação da Terra da Morte Lenta questiona ainda a imparcialidade da juíza Sónia Moura, indicando nas alegações ter chegado ao seu conhecimento, já após a sentença recorrida, a existência de uma publicação de maio de 2021 intitulada “Corrupção em Portugal. Avaliação legislativa e propostas de reforma”, que tem como organizadores Paulo Pinto de Albuquerque, Rui Cardoso e Sónia Moura.

A obra tem como um dos autores dos vários artigos que a compõem o advogado da Siderurgia Nacional do Seixal Rui Patrício, que escreveu em coautoria com Nuno Igreja Matos, da mesma sociedade de advogados.

Os artigos do livro, refere a associação no recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa, têm como seu “dínamo” a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 aprovada pela resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021, de 06 de abril, “o que significa que terá sido escrito entre abril e maio de 2021, ou seja, no decurso da audiência do caso em julgamento”.

Manuel Soares explicou em declarações à agência Lusa que, há uns meses, numa conferência na Universidade Católica Portuguesa surgiu a ideia de fazer um livro sobre a Estratégia Nacional de Combate a Corrupção que fizesse coligir textos de juristas, advogados, professores, juízes e procuradores com opinião sobre esta matéria.

A elaboração do livro ficou a cargo do professor Paulo Pinto Albuquerque, da revista jurídica do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, dirigida por Rui Cardoso, e da revista da Associação Sindical dos Juízes – Julgar -, dirigida pela juíza Sónia Moura.

Segundo Manuel Soares, a juíza em causa entrou no projeto por ser a diretora da revista Julgar e a escolha do advogado em causa foi feita até por Paulo Pinto de Albuquerque.

“Insinuar que a juíza tinha uma ligação ao advogado e usar esse livro para demonstrar essa ideia não tem pés nem cabeça”, disse.