Luís Giovani dos Santos Rodrigues morreu a 31 de dezembro do ano passado no hospital, após ter sofrido uma agressão perto de uma discoteca em Bragança onde estivera com amigos.

Vestindo 't-shirts' brancas com a fotografia do jovem e na mão com panfletos onde se pode ler #justiçaparaogiovani, as pessoas começaram a juntar-se frente à estátua de D. José I onde estiveram em silêncio, formando primeiro um círculo que no seu interior tinha velas e flores brancas.

As pessoas mantiveram-se em silêncio que, conforme Kleisy Ferreira de Pina, da organização, estava em consonância com Giovani “que esteve também dez dias em silêncio”.

“Estou aqui para fazer justiça por aquele jovem que morreu. Portugal está a ficar inseguro. Estou aqui também pelo meu filho que tem a idade do Giovani. Também ele já foi vítima de agressões”, disse à Lusa Maria Mendes.

No panfleto com a 'hashtag' #justiçaparaogiovani encontra-se a letra de uma morna feita de forma a homenagear o jovem que, escrita em crioulo, fala da morte, de sentimentos, tristeza e sofrimento, explicou Maria Mendes.

Ivanilde Gomes, que veio de Cabo Verde para Portugal há três anos, contou à Lusa que veio à Praça do Comércio “em paz” para homenagear o jovem que morreu “barbaramente” em Bragança.

“Estou aqui não para conflitos, mas como um símbolo de paz e para que outros jovens não tenham de morrer como ele”, disse Ivanilde, acrescentando esperar que a morte de Giovani “sirva para que os cabo-verdianos sejam ouvidos e não tenham de se calar com injustiças como a que aconteceu”.

Na praça, muitos são os jovens com bandeiras de Cabo Verde, vendo-se pessoas de todas as idades, que respeitam o silêncio pedido pelos organizadores, empunhando cartazes exigindo justiça.

Na estátua de D. José I que parece observar o que se passa na praça do cimo do seu cavalo, foi colocada uma tarja onde se lê: “Contra o Racismo do Estado, Punição dos Crimes Racistas”.

À Lusa, José Pereira, que pertence aos movimentos Consciência Negra e Em Luta, explicou a necessidade de, “acima de tudo e em primeiro lugar o Estado português esclarecer o que se passou”.

“O Estado tem o dever de esclarecer”, disse José Pereira avançando haver um “duplo padrão de comportamento do Estado quanto à prática deste tipo de crimes”.

José Pereira denunciou também que as autoridades “agridem e brutalizam” quando vão aos bairros onde vivem pessoas “racializadas, negros, emigrantes e ciganos”, acrescentando que “agem de forma diferente quando se tratam de não brancos”.

“Tire o seu racismo do caminho” ou “Nu kre justiça” [Queremos justiça, em crioulo], são outros dos cartazes empunhados pelas pessoas, entre alguns balões brancos e pretos espalhados pela praça.

Às palavras da organização que pediam calma a todos para que a vigília em homenagem ao jovem corresse de forma pacífica, as pessoas que se encontravam na praça respondiam com palmas.

“Esta marcha tem por intuito demonstrar a indignação perante a violência que vitimou o nosso colega, solidariedade e homenagem a Luís Giovani”, pode ler-se na mensagem que acompanhou a convocatória para a vigília marcada para o Terreiro do Paço, em Lisboa, que foi organizada pelos Caloiros de CV, colegas do jovem, e difundida através da rede social Facebook.

“Giovani, estudante cabo-verdiano radicado em Bragança, faleceu cedo demais. Tal como muito de nós abandonou a sua terra natal em busca de um futuro melhor”, prossegue a mensagem dos colegas.

Está previsto que após a concentração silenciosa, seja lido um manifesto pelos organizadores do evento, seguindo-se a entoação da morna “Partida”, de B.Léza. Está igualmente prevista a leitura de dois poemas pelo grupo Djidiu – A Herança do Ouvido.

Os Caloiros de CV apelaram desde o início aos participantes para que, entre outros procedimentos, sejam pacíficos e não recorram à violência.

“Não à violência” marcou marcha por estudante cabo-verdiano em Bragança

Um faixa com o nome de Giovani e a frase “Não à violência” segurada por várias entidades locais encabeçou hoje a marcha silenciosa de homenagem, em Bragança, ao estudante cabo-verdiano que morreu a 31 de dezembro.

A marcha partiu do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), onde chegaram ao início da tarde autocarros com colegas da escola superior de Mirandela que o estudante cabo-verdiano frequentava há pouco mais de um mês.

Estava na cidade de Bragança, com amigos cabo-verdianos também estudantes, quando na madrugada de 21 de dezembro foi encontrado pela polícia caído na rua, depois de uma alegada rixa num bar da cidade em que terá sido agredido.

As circunstâncias em que ocorreu o ferimento na cabeça, que lhe provocou a morte depois de dez dias internado num hospital do Porto, estão a ser investigadas pela Polícia Judiciária e ainda não foram revelados oficialmente suspeitos.

Para este sábado foram marcadas várias marchas de solidariedade em Portugal e noutros países de homenagem ao jovem cabo-verdiano de 21 anos, que deverá ser sepultado em Cabo Verde no próximo sábado, segundo informação avançada pela família ao presidente do politécnico de Bragança, Orlando Rodrigues.

O responsável máximo da instituição de ensino superior com nove mil alunos, um terço dos quais estrangeiros de 70 nacionalidades, foi um dos representantes das entidades locais que se juntaram à marcha de hoje, em Bragança.

A iniciativa significa para o presidente do IPB “solidariedade para com a família” num “momento muito difícil, e todo o povo Cabo Verdiano”.

Orlando Rodrigues sublinhou que este momento serve para “afirmar os valores da não violência, do respeito pelos outros e da paz, da multiculturalidade”.

“Neste momento em que estes valores são postos em causa queremos dizer que a nossa comunidade é uma comunidade pacífica, que estes atos são absolutamente excecionais e não são a regra e, sem hesitações queremos afirmar esses valores”, frisou.

Tal como já tinha anunciado, o presidente do IPB irá ao funeral do estudante a Cabo Verde, no próximo sábado.

Também o bispo da Diocese de Bragança-Miranda se juntou à marcha, mas numa “presença de silêncio, de proximidade”, deixando as palavras para a homília na catedral de Bragança, o último ponto da homenagem de hoje.

Antes de chegar à catedral, na Praça da Sé, o centro da cidade de Bragança, a homenagem inclui uma vigília, velas e flores.

A Associação de Estudantes Africanos do IPB mandou fazer ‘t-shirts’ brancas com o rosto de Giovani e símbolos da paixão do jovem pela música, que os participantes usaram na marcha, como explicou, o presidente, Wanderley Antunes.

Este movimento, concretizado em manifestações, em Portugal, na Europa e países de África, servem, no entender do dirigente associativo, para “passar a mensagem de união e de força, que a paz tem de prevalecer em todos os momentos”.

“Todos estamos juntos, condenamos o ato que aconteceu com o nosso colega”, afirmou, reiterando o apelo geral de justiça e punição dos autores.

A multiculturalidade do politécnico de Bragança esteve representada na marcha por Giovani com Marcos Silva, um estudante brasileiro a vestir a camisola de homenagem e a expressar “tristeza” pelo que aconteceu.

“Espero que a Justiça possa averiguar tudo o que está a acontecer”, afirmou o jovem brasileiro que está em Bragança desde outubro e testemunha que “as pessoas se dão bem” no IPB.

O papel da polícia e a pouca informação disponibilizada é do desagrado de outras duas jovens estrangeiras que se juntaram à marcha por solidariedade.

A italiana Elisa Legrenzi está em Bragança há seis meses. O único problema que tem é com a língua. Por não saber falar português passa mais tempo com a comunidade internacional do politécnico do que com a cidade.

A polaca Evilina Wielgat chegou há quatro meses fala de uma cidade “calma” onde “as pessoas são simpáticas e juntou-se hoje à marcha para mostrar “preocupação” com o que aconteceu e com a postura da polícia, de pouca informação.

Alguns dos residentes na cidade marcaram também presença com flores e para expressar tristeza com o caso.

“Acho muito triste, devíamos ser todos irmãos, unidos, ninguém tem o direito de tirar a vida a ninguém”, apontou Lília Fernandes, de 73 anos.

Vários autarcas e políticos da região juntaram-se à iniciativa com o presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, a manifestar “pesar pelo que aconteceu” e a desejar que a marcha sirva para mostrar que “a comunidade brigantina é pacífica, acolhedora e que isto não passa de um ato isolado”.

“Estou certo também que toda esta comunidade académica reconhece esse sentimento. Esta situação não pode, em circunstância alguma, manchar aquilo que é o bom acolhimento que Bragança tem proporcionado à comunidade estudantil”, disse.

Os amigos com quem a vítima saiu dizem que um grupo de “cerca de 15 pessoas” alegadamente de Bragança, os aguardavam na rua “com cintos, paus e ferros” e terão atingido Giovani com uma paulada na cabeça.

Por esclarecer continua o que se passou entre o momento da alegada agressão e o local onde Giovani foi encontrado caído no chão sozinho, mais de meio quilómetro e a alguns minutos a pé do bar, na madrugada do dia 21 de dezembro.

A direção nacional da PSP esclareceu, na sexta-feira, que a vítima foi encontrada pela polícia que comunicou o caso ao INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) como sendo um alcoolizado caído na rua.

Terão sido os bombeiros que prestaram socorro que se aperceberam do ferimento e foi o hospital de Bragança que comunicou à PSP que a vítima que tinha encaminhado apresentava sinais de ter sido agredida.

O jovem cabo-verdiano foi transferido para o hospital de Santo António no Porto, onde morreu na madrugada de 31 de dezembro.