A aceitação é tácita, como acontece no caso da doação de órgãos, quem não estiver de acordo tem de o declarar explicitamente, caso contrário está a dar a sua autorização. A medida vai permitir maior acessibilidade, mais eficácia, poupança de custos e um enorme avanço em termos de investigação e tratamento de doenças. Entra em vigor daqui a dois anos.

"É como se fosse um roaming na área da saúde, independentemente do hospital ou do país onde nos encontremos o utente irá ter acesso ao seu registo clínico em toda a União Europeia. Se eu tiver tido um episódio na Bélgica na semana passada e hoje tiver de ir ao médico em França, ele poderá ver o meu historial clínico em francês", diz ao SAPO24 a deputada europeia Sara Cerdas (eleita pelo PS), que esteve nas negociações em representação do seu grupo político pela Comissão de Saúde Pública [e da Segurança Alimentar].

Além de melhorar a acessibilidade aos cuidados e saúde primários, a medida significa "uma poupança de 20% nos gastos com saúde", uma parte com a não repetição de exames médicos. Mas os benefícios vão mais longe. Sara Cerdas, que é médica, lembra a importância de uma base de dados com informação de quase 450 milhões de europeus e o que isso pode fazer pela ciência e pela inovação.

"Isto vai fazer com que haja uma revolução na área do conhecimento em saúde", afirma. E dá um exemplo: "Em 2024 não sabemos metade das causas do cancro, uma doença tão prevalente. Existem muitos factores que influenciam a nossa saúde, mas que ainda não conseguimos provar causalidade. Com mais dados, iremos ter mais informação para dar uma resposta às necessidades de saúde dos europeus, trabalhando sempre para mais saúde e bem-estar".

A deputada deixa uma nota especial sobre as doenças raras, que "afectam cinco pessoas em cada 10 mil. Em Portugal temos cerca de 80 mil pessoas que sofrem de doenças raras, mas na União Europeia são 33 milhões". O leque de patologias é muito diversificado, mas estudar um número mais alargado de casos vai permitir acumular conhecimento, não apenas para a investigação das causas, mas também para os tratamentos. "É um farol no horizonte do ponto de vista do avanço médico-científico, não apenas para Portugal, mas para todos os países europeus".

Elaborar o regulamento, aprovado hoje com 445 votos a favor, 142 contra e 39 abstenções, "foi um trabalho muito exigente, mais de 100 reuniões técnicas e políticas, cerca de um ano e meio para o concluirmos nesta legislatura. É com muito agrado que o vejo votado e aprovado". A negociação envolveu também a Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos, já que em causa está o acesso a informação privada e sensível.

Esta matéria é, aliás, motivo pelo qual o PCP se bateu contra o regulamento. "Fazer esta grande base de dados a nível europeu, mas não nos podemos esquecer que a União Europeia é um mercado, tudo é mercantilizável, incluindo os dados de saúde, que podem ser cedidos a grandes farmacêuticas ou outras empresas para fazerem o que quiserem com essa informação", diz ao SAPO24 a deputada comunista Sandra Pereira. "Queremos que os Estados salvaguardem o direito do acesso à saúde e não se desresponsabilizem de salvaguardar esse direito".

Sara Cerda responde: "Os dados não poderão ser utilizados, por exemplo, pelos seguros de saúde para influenciar o prémio de um segurado", garante Sara Cerdas. "Está muito bem delineado no regulamento para que fins podem ser utilizados os dados e essa seria uma penalidade muito graves".

"Obviamente temos de ter noção da pluralidade da União Europeia, e tivemos de ter atenção para criar um regulamento que hoje está nas mãos de um regime democrático, mas que também pode estar nas mãos de um país que não respeita o Estado de direito. E dou o exemplo de um país onde até existe respeito pelo Estado de direito, Malta. Mas que ainda tem o aborto ilegal. No entanto, com este regulamento garantimos que uma mulher maltesa que precise e decida fazer um aborto de forma segura - porque o aborto vai existir sempre, a questão é se é feito de forma segura ou não - e para isso vá fazê-lo noutro país da UE, quando regressa a Malta pode omitir essa informação da sua ficha médica. Tivemos de garantir esta confidencialidade e segurança no armazenamento dos dados, e o regulamento apenas irá funcionar se as pessoas tiverem confiança neste espaço europeu de dados de saúde", concluiu a deputada madeirense, agora candidata à Assembleia Regional da Madeira.